10.11.17

REGRESSO A CASA


A minha infância ainda hoje me cumula com seus benefícios. 
Nesse tempo, o mundo era uma abóbada sobre a minha cabeça, 
onde constantemente se inscreviam cenas […] 
Agora, julgo que regresso às minhas fontes 
ou que viverei eternamente suspensa dessa abóbada.
(Maria Gabriela Llansol, Livro de Horas III)


Como já é do conhecimento de alguns, o Espaço Llansol tem uma nova casa, a que chamámos – et pour cause! –  «A Casa de Julho e Agosto». O espólio de Maria Gabriela Llansol regressou de facto, entre Julho e Agosto, ao lugar onde tudo começou, no bairro de Campo de Ourique, que a viu nascer e crescer para a escrita. Encontrou o seu lugar de origem, que é hoje o lugar natural da sua destinação, graças à generosidade e ao interesse da Câmara Municipal de Lisboa e da Junta de Freguesia de Campo de Ourique, nas pessoas da Dra. Catarina Vaz Pinto (Vereadora da Cultura) e do Dr. Pedro Cegonho (Presidente da Junta).


Em finais de 2003, depois da morte de Augusto Joaquim, a Maria Gabriela manifestou o desejo de regressar às suas origens em Campo de Ourique. Isso não aconteceu, por razões circunstanciais de vária ordem, mas essa intenção, e manifestações claras do seu apego ao bairro de Lisboa que a viu nascer, estão hoje patentes para nós em muitas páginas dos seus cadernos de escrita. É aqui que desperta para o mundo e para a escrita, nos anos da infância e sobretudo nos da adolescência e juventude, antes do exílio belga, e depois de ter casado com o Augusto, em 28 de Setembro de 1965, na Igreja de Santa Isabel, precisamente no ponto de convergência da rua onde ele nasce – a Rua de São Joaquim, nº 11 – com aquela onde está a casa que acolhe agora o grande espólio de Llansol.
Entre o regresso da Bélgica, em 1985, e o fim da vida, Maria Gabriela Llansol nunca deixou de ir a Campo de Ourique nos anos em que viveu entre Colares e Sintra, durante muito tempo sempre à quarta-feira, para visitar a Lurdes, amiga de infância, frequentar os cafés, os restaurantes e as lojas do bairro, ou simplesmente sentar-se a ler e a escrever no Jardim da Parada à sombra da grande metrosideros excelsa, que haveria de evocar em páginas de Amigo e Amiga.
Por coincidência ou talvez não, assinalamos agora o seu regresso simbólico a este bairro e à rua que termina no cemitério onde ela repousa há quase dez anos. Regresso que acaba por não ser apenas o de um corpo, mas o de toda a escrita que dele nasceu ao longo de uma vida. A Rua Saraiva de Carvalho, entre Santa Isabel e Prazeres, é agora o eixo e o elo que liga corpo e escrita, a memória da «escrevente» e a presença viva de tudo o que nos legou.


Vamos abrir oficialmente a nova Casa (na Rua Saraiva de Carvalho, nº 8-1º andar) no próximo dia 24 de Novembro (aniversário da Maria Gabriela), pelas 18 horas, com uma sessão em que evocaremos, com leituras pelo actor Diogo Dória e com um caderno de inéditos, alguma da escrita de Maria Gabriela Llansol sobre Campo de Ourique, de 1949 a 2004. Projectaremos um video que dá conta da descoberta do espólio de Llansol e do que com ele fizemos entre as casas de Sintra e Lisboa. E contamos com a presença da responsável pela Cultura na Câmara Municipal de Lisboa e do Presidente da Junta de Freguesia de Campo de Ourique.