23.2.14

BLANCHOT - LLANSOL
Encontro improvável, ontem na Letra E

Era uma vez três seres sob o signo do humano, de uma pureza dissoluta.
Não absoluta, porque o absoluto é vão.
(M. G. Llansol, Caderno 1.15, 332 | 20.3.1984)

Naturalmente, como a consciência estética apenas tem consciência de uma parte do que faz, o esforço para atingir a absoluta necessidade e, por essa via, a vanidade absoluta é, ele próprio, sempre vão.
(Maurice Blanchot, Faux pas, 1943)

De forma algo inesperada, dada a densidade da matéria, a Letra E encheu-se ontem de interessados em Blanchot e Llansol, com rostos novos e provenientes dos mais diversos lugares (Sintra, Lisboa, Braga, o Brasil e até a Bulgária!), para além de outros frequentadores, já conhecidos e mais habituais.
A ligação explícita de Llansol com Blanchot é esparsa, este autor, como não acontece com outros filósofos muito convocados para a Obra llansoliana, está pouco ou nada presente na sua biblioteca, e mais ainda nos cadernos de escrita, onde existe uma única menção: a intenção de adquirir L'amitié, registada em 18 de Janeiro de 2000 (Caderno 1.58, p. 67). Na biblioteca, apenas dois livros: Faux pas, comprado em Louvain-la-Neuve em 25 de Fevereiro de 1984, e com alguns sublinhados e marcas de leitura da introdução e de capítulos sobre Kierkegaard, Eckhart, Rilke, Proust; e ainda O Livro por Vir, num exemplar com dedicatória de «Regina» (Regina Louro, então jornalista do Expresso e tradutora do livro), em Abril de 1986.
E no entanto, o «Encontro improvável» e intenso de ontem, conduzido por Paulo Sarmento a partir do documentário de Hugo Santiago visionado antes, revelou imensas afinidades, e alguns desencontros, de pensamento, modos de escrever e viver, interesse comum por determinadas figuras e temáticas – a indeterminação ou a rejeição da «literatura» em favor da «escrita», o apagamento de fronteiras entre géneros, o estilhaçamento da ficção, a «exigência fragmentária», modos afins e diversos de viver a solidão, o silêncio, a morte, a anulação de tempos no espaço do instante que é o do texto no acto de se escrever e de ser lido; e finalmente, a construção de pontes e abismos entre os dois, quanto a uma ideia de «comunidade» de ausências presentes, a comunidade alimentada por um princípio de incompletude e a comunidade na diáspora...
Todos estes temas, presentes em mais um caderno que elaborámos para esta ocasião, com textos dos dois autores, foram ampla e vivamente discutidos no final, numa «conversa infinita» e naturalmente inconclusiva. Continua tudo em aberto para o regresso a este ou outros «Encontros improváveis», na Letra E ou noutros lugares.
Com uma certeza; que os intensos, como Blanchot e Llansol, continuam aí, para lá de si mesmos, sabendo, como sabiam, que não há morte, que a morte é apenas aquele «sentimento de leveza» sempre iminente que lemos em L'instant de ma mort, e que, como escreve M. G. Llansol num dos seus cadernos (o 1.18, p. 67), «o tempo e a morte são constantes, e é intenso o espaço que os circunda.»
Deixamos aqui, a montagem fragmentária de algumas páginas do nosso caderno, numa sequência que inclui no fim a leitura de excertos de La folie du jour, retirada do filme de Hugo Santiago.



E para quem não pôde vir mas gostaria de ver o documentário na íntegra, aqui fica o respectivo link: http://www.youtube.com/watch?v=F32bSMK1iNA