30.3.11

ECOS DO DIA LLANSOL (III)
Eduardo Lourenço: Um logos de luz e de noite...


Nas Leituras de Escritores, em que leram textos de Llansol autores como António Mega Ferreira, Hélia Correia, Gonçalo M. Tavares, José Tolentino Mendonça, Manuel Gusmão e Eduardo Lourenço, este último fez, antes de ler trechos de Causa Amante, os seguintes comentários a propósito do universo e do texto de Llansol:

Muito boa noite a todos. É sempre para mim um grande prazer e uma grande alegria estar, mesmo em deslocação, neste famoso Espaço Llansol, a que preside, com os seus amigos, o meu amigo João Barrento. Tenho verificado que nestas famosas reuniões dedicadas à evocação de Maria Gabriela Llansol há sempre uma atmosfera de um fervor particular. Lembra-me que ela suscita uma espécie de representações, de imagens, como se nós tivéssemos, através da sua leitura, a ideia de penetrar num espaço que não é talvez deste mundo, sendo um dos textos mais penetrados de todos os sabores deste mundo. Mas há aí qualquer coisa como uma espécie de ilustrações, de imagens quase análogas às de Boticelli quando quis evocar o Paraíso de Dante. São apenas uma espécie de fogos, de imagens que flutuam. E que nos textos de MGL nos convertem, a nós, em figuras de texto. Ela, efectivamente, fez do texto um objecto cénico da sua própria visão, da matéria, em última análise, do universo. É um logos, mas não é um logos unicamente luminoso, é um logos diferente, um logos de luz e de noite ao mesmo tempo, uma e outra intrinsecamente misturadas. É uma descrição do mundo extraordinariamente visceral, e ao mesmo tempo virtual e imaginária, como não há outra na literatura portuguesa. Vai efectivamente, como diz um seu título célebre, Da Sebe ao Ser, daquilo que é mais obscuro, mais matricial, mais profundo, mais opaco, até àquilo que é, de algum modo, o termo que nós empregamos, de uma maneira lógica, ainda em termos teológicos, para o ser a que chamamos realmente Deus. Eu não tinha grandes textos, na desordem em que vivo, e o primeiro que encontrei para trazer aqui foi Causa Amante, um título que só podia ser dela. Causa amante, não causa inteligível, porque o amor não tem outra substância que não seja a de amar o objecto a que se dirige, seja ele qual for. Este texto indica logo no princípio, numa espécie de epígrafe: «Aqui | É Tudo, | Nada | Entre Tudo e Nada. | Movimento | Gosto | E | Quando | Mais | Fim, | Causa Amante.» E é deste texto que eu escolhi algumas passagens para vos ler. Eu não sou grande leitor. Gosto de ler, nunca fiz outra coisa na vida senão ler, como dizia a minha mãe... Este livro é composto de uma série de «Passos»..., e o primeiro que vou ler é o «Passo II: É». Não sei se alguma vez em Portugal alguém começou um texto com o indicativo «É»...

Depois destas palavras, Eduardo Lourenço leu três passagens de Causa Amante. O video desta intervenção pode ver-se aqui.