12.10.10

AS SEGUNDAS JORNADAS DE SINTRA... E O QUE SE SEGUE

Passaram mais umas Jornadas Llansolianas de Sintra. É tempo de balanço rápido, antes da publicação do volume que documentará o que se disse e viu. Este ano quisémos pôr à prova o texto de Maria Gabriela Llansol, submetendo-o a olhares novos, de leitores não muito iniciados, alguns quase virgens deste vício de ler Llansol como quem a lê sempre pela primeira vez. O resultado correspondeu às expectativas – como teria de ser com os leitores de excepção que este ano aceitaram o convite – e o desafio – de mergulhar nos labirintos da alma e nos arcanos da escrita de M. G. Llansol.



Eduardo Lourenço abriu com algumas intuições certeiras e, como é seu apanágio, fulgurantes na formulação encontrada, ao referir a «condição pré-metafísica» deste Texto, o paradoxo da sua «simplicidade-obscuridade», a sua capacidade de «tomar o dom textual da realidade à letra», permitindo assim ao leitor/legente «estar no texto» (não haverá fórmula mais adequada para o modo de ler pedido pela escrita de Llansol).
Depois, O Jogo da Liberdade da Alma e outros livros foram sendo iluminados por múltiplos olhares que viram neles uma «topologia quântica textual» e um rasto «medusiano/penelopiano» (Carlos Couto Sequeira Costa), ou o cruzamento do «sexo de ler» e da paisagem no espaço de um «puro sim» (Blanchot) proporcionado pela «desmemória» (Lúcia Castello Branco). Despiram-se dos seus sentidos mais correntes os termos-chave de Jogo, Liberdade e Alma em Llansol, inserindo-os em linhagens que vão dos pré-socráticos a Espinosa e Schiller (João Barrento); falou-se da «mestiçagem», do «funambulismo mágico» e da «explosão vertiginosa e meteórica do inédito» (o poeta francês Yves Peyré), trouxeram-se testemunhos de leitores franceses abismados com a subtileza e a pluralidade da «cena viva» e da dramaticidade da escrita de LLansol (Muriel Bonicel, livreira como as já não há em Portugal). Trouxe-se para o texto llansoliano o processo da colagem, com a sua «harmonia difícil» e o seu espaço vibrante de «correspondências» (Matteo Bianchi e Carolina Leite, editores de M. G. Llansol em francês e italiano); traçaram-se paralelos entre a escrita da palavra e a da música, com as suas «polifonias atonais» (Gilda Oswaldo Cruz, antes do recital de piano com obras de Bach, Messiaen, Schoenberg e Cláudio Santoro); e analisaram-se processos («a metabolização do real», o recurso ao «sarcasmo subterrâneo») e os fundos imemoriais, radicados nos «atributos variáveis dos mitos», desta escrita e do seu universo (António Vieira). E por fim veio aquele extraordinário momento em que Hélia Correia, colocando a questão da relação com o texto de Llansol em termos de dom e aprendizagem, de entrega, mas não de profecia, o apresentou em paralelo, óbvio e irrecusável, com a sua relação com os gatos e o gesto de «fazer festas na barriga» de ambos, seres de fascínio e «corpo vivo de leitura».






Também as apresentações de novos livros – Um Arco Singular. Livro de Horas II (Assírio & Alvim), por José Manuel de Vasconcelos, e «Nada ainda modificou o mundo...». Actualidade de Llansol (Mariposa Azual), por Maria João Reynaud – foram muito além do que é mais habitual nestas circunstâncias, em lucidez, profundidade e sensibilidade à matéria viva destas duas novas publicações.



E a exposição Rara & Curiosa. Os papéis avulsos de Llansol deu a ver uma parte ínfima, mas representativa, do universo manuscrito deste espólio. A encerrar, a voz forte e modulada de Diogo Dória, dando corpo a três fragmentos de escrita dos cadernos inéditos, da fase de elaboração de O Jogo da Liberdade da Alma (1998-99), testemunhou de forma impressionante a capacidade de iluminação do real e de penetração de si próprio desse «ser de escrita» que dá pelo nome de Maria Gabriela Llansol.


Em suma, pode dizer-se que as Jornadas deste ano constituiram dois dias plenamente conseguidos. Mas que não nos levam a descansar à sombra do já feito. Retomámos já o trabalho com vista à próxima grande iniciativa do Espaço Llansol, a exposição sobre Llansol e a Europa, a inaugurar em 27 de Março de 2011 no Centro Cultural de Belém, com o título «Sobreimpressões».
Damos a seguir uma primeira ideia dos objectivos desse grande evento, da sua estrutura e do que esperamos que possa acontecer em seu redor.


«SOBREIMPRESSÕES»
A dimensão europeia da Obra de Maria Gabriela Llansol
Exposição e Dia Llansol no Centro Cultural de Belém
27 de Março de 2011

A exposição e o Dia Llansol pretendem assinalar o significado e a dimensão da história política, espiritual e cultural da Europa na Obra da escritora MARIA GABRIELA LLANSOL (1931-2008) desde a publicação do primeiro volume da sua primeira trilogia, O Livro das Comunidades (= Geografia de Rebeldes. 1), em 1977. Foi com esse «livro-fonte», escrito nos anos do exílio na Bélgica, que começou a aventura, única na literatura portuguesa contemporânea, da busca de um sentido para a história da Europa através da recuperação de algumas das suas figuras maiores do pensamento, da acção política, da arte, da literatrura, da espiritualidade – portuguesas, espanholas, francesas, belgas, holandesas, alemãs, polacas, italianas, dinamarquesas (vd. Mapa com Figuras).
É a própria autora quem, num dos seus livros, traça nos seguintes termos a genealogia deste projecto do humano para a Europa, que prosseguirá até ao fim sob diversas formas:
Há muitos anos, quando comecei a viver na Bélgica, sem presssentir que seria por tantos, esta nossa longa ausência fez-me uma profunda impressão. Estava eu no béguinage de Bruges, com o sentimento fortíssimo de que já ali teríamos estado. Nós, não era eu. Já ali tínhamos sido alguém, alguém daquele lugar, e agora, inexplicavelmente, não havia ali, excepto na minha impressão, nenhuma memória de nós. Nem sequer o esquecimento. Data de então a presença constante, invasora e quase exclusiva, de certas figuras europeias nos meus livros […]
Fez-se ali o nó de que depois desfiei o texto. Comecei nas beguinas; destas, passei a Hadewijch, a Ruysbroeck. Destes, a João da Cruz e a Ana de Peñalosa. Fui conduzida por todos eles a Müntzer, à batalha de Frankenhausen e à cidade utópica de Münster, na Vestefália. Nos restos fracassados destes homens encontrei Eckhart, Suso, Espinosa, Camões e Isabel de Portugal. E foi por sua mão que fui até Copérnico, Giordano Bruno, Hölderlin, que todos eles anunciavam Bach, Nietzsche, Pessoa, e outros que a nossa memória ora esquece, ora lembra tão intensamente que me parece outra forma de os esquecer. De esquecer tudo isso.

(Lisboaleipzig 1, pp. 88-89)

A exposição organiza-se em seis lugares, a saber:

LUGAR 1:

A comunidade sem regra: Beguinas e místicos
a) Beguinas e místicos flamengos/renanos (Hadewijch de Antuérpia e Eckhart)
b) O misticismo ibérico: Ibn Arabi e João da Cruz (e Ana de Peñalosa)

LUGAR 2:
O nascimento da liberdade de consciência: Rebeldes e iconoclastas
Thomas Müntzer e a batalha de Frankenhausen; Münster e a experiência anabaptista; Nietzsche e a visão de um novo homem

LUGAR 3:
O litoral do mundo e o caminho da água
Portugal e a Europa na Idade Moderna
Luís M./Comuns / Camões ; D. Sebastião

LUGAR 4:
A geografia imaterial por vir: Dos poetas
Hölderlin

LUGAR 5:
O que pode um corpo: Em busca das fontes da alegria
Espinosa

LUGAR 6:
O caminho do dom poético: Lisboaleipzig
Aossê/Fernando Pessoa e J. S. Bach


Para além da exposição, que se orientará por princípios interactivos e dinâmicos, correspondendo ao próprio espírito da Obra de Llansol, haverá no Centro Cultural de Belém, no «Dia Llansol», e noutros lugares, nos dias que se seguem, vários eventos dedicados à escritora e a este tema, em que prevemos os seguintes:
Abertura oficial pelo Dr. José Manuel Durão Barroso, Presidente da Comissão Europeia, membro do Espaço Llansol e grande admirador da obra de Llansol (sujeito a confirmação).

– Painel em que especialistas nacionais e estrangeiros debaterão a Obra de Llansol e o tema da exposição.

– «Ervilhas e Bach: Um concerto para Maria Gabriela Llansol», com peças da sua predilecção (em particular de J. S. Bach) e uma peça original do compositor português João Madureira.

– «Escritores lêem Llansol»: Leituras de textos de Llansol e testemunhos, por escritores portugueses.

– Apresentação de um documentário sobre as Figuras europeias da exposição e respectivos lugares de origem e actuação (em Portugal, Espanha, Bélgica, Holanda e Alemanha).

- Projecção de filmes disponíveis sobre algumas das Figuras europeias presentes na exposição, com discussão.
– Edição de um caderno que acompanha o «Dia Llansol», com documentação e iconografia sobre as Figuras europeias e respectivos lugares (pelo CCB).
– Edição de um livro-catálogo com textos das principais figuras europeias presentes na exposição, ensaios sobre elas, textos éditos e inéditos de M. G. Llansol e iconografia histórica e original.